“Crianças rebeldes, ou a frágil razão de ser”

                          

“Nasce-se sozinho e morre-se sozinho”, a reafirmação da criança interior perpetuando as metáforas e subjetividades do mistério da vida, exercícios de representação ou a vingança contra tudo que nos destrói.

A obra de Rodrigo na série sobre crianças rebeldes, submetidas a situações incongruentes, em que tentam criar uma narrativa por meio de lembranças que se perdem na memória, invocam certa estranheza quanto à cor.  Às vezes é bom esquecer o discurso retórico e deixar a emoção tomar frente.

Consigo, desde a minha perspectiva, apreciar o bizarro, como uma jangada no meio de um mar turbulento, onde se nasce chorando, sofrendo e condicionado por padrões. Catequizados por uma falsa história, querem nos moldar como plasticina, mas nossa criança interior se rebela o tempo todo, fazendo-nos lembrar daqueles tempos em que tudo era confuso e não podíamos tomar decisões, mas apenas nos equilibrar na corda bamba da mediocridade do mundo.

A luta constante para contrabalancear as dicotomias usando recursos formais pictóricos, sublimando assim a tragédia de uma narrativa ilustrada que busca a luz com distintos jogos de cores e suas possibilidades, nos expressa, às vezes de forma velada, a punição dessas crianças inconformadas, uma vez que a natureza inerte da pintura como gênero, já as confina ou castiga, deixando-as para sempre em um eterno estatismo.

Os brinquedos são como os “ismos” da História da Arte, avançam de forma vertiginosa, mas permanecem no passado.                  

A criança interior parece estar cansada de brincar com seus brinquedos e talvez o último brinquedo escolhido por Pasarello tenha sido a pintura.

Essas representações de infantes olhando para o vazio são cenas dramáticas, quase teatrais, em que o ambiente lúdico está ausente: não há possibilidade para brincadeiras, apenas a substância abstrata da forma e do espaço.

A pintura exige muita dedicação, é difícil ser um alquimista. O ego nos engana e nos faz pensar que estamos no comando, mas é a pintura que dita o que se deve fazer. Talvez se trate de uma relação de amor e ódio, as dúvidas sempre surgem como um caminho de pedras. A única coisa que nos resta a fazer é representar a verdade, convertendo-nos em fetiche impresso ou diluído na memória.                                

A criança interior é pura, livre, sem noção das coisas, não teme o perigo, não sabe o que é a traição. Certa vez, ouvi de um filósofo “perder a memória, que pureza” ....

Tenho sorte de não ter usado os recursos da crítica erudita e a retórica da História da Arte, (será que perdi a memória?), pois isso teria sido, na minha opinião, confiar em dogmas ou ditaduras acadêmicas, que não teriam me ajudado a me aproximar ou a entender essas crianças.

 

 

 

Luis Henrique Silvestre, SP 2024